Ir ao supermercado com meu pai era o meu programa predileto. Assim que
entravamos no carro, ele acendia um cigarro e começava dirigir em alta velocidade. O
cheiro da fumaça misturada com o vento entrando pela janela era a confirmação de
agora eu era a sua esposinha e estávamos indo ao supermercado cumprir nossas
obrigações domésticas.
Um dia, me distraí na sessão de biscoitos. Quando dei por mim, meu querido
paizinho havia desaparecido. Desesperada, saí a procurá-lo por aqueles enormes
corredores. Quando o achei na seção de carnes, meus olhos trasbordantes viram a
figura de um bom homem de costas, compenetrado na difícil tarefa de achar a melhor
carne para alimentar sua esposinha e o resto da família.
Saí correndo e abracei meu papai. Deitei meu rosto em seu bumbum, como sempre
fazia, e disse, “Papai, te amo tanto” Estava dominada pelo maior amor do mundo.
Aquele homem, assim como naquele dia, nunca sumiria de mim. Sempre estaria em
algum lugar me esperando e eu sempre sairia correndo e diria “te amo tanto”. Assim,
seria sempre feliz, estaria sempre protegida.
Quando ele se virou e vi seu rosto, fiquei horrorizada. Não era papai que eu
abraçava. Era um homem qualquer. Um homem que ria de mim. Pude confundir o
papai, isso não fazia sentido. Papai é inconfundível! É único, é o meu pai e eu, sua
esposinha.
Voltei para casa muda. Nada de biscoitos nem tagarelices. Alguma coisa tentava
fazer sentido naquela cabecinha.
Então, qualquer homem do mundo que esteja em uma seção de supermercado, eu
poderia abraçar e dizer “te amo tanto”? E nesse abraço, sentir coisas que só sentira
abraçando papai? Qualquer homem poderia me fazer sentir protegida?
Coitado! Será que o papai sabe disso?
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